sábado, 6 de dezembro de 2008

Soir de Lune

De todas as cartas queimadas, os gritos, as mensagens que tentara enviar pelo irmão mais novo, só sobrou uma mecha de cabelo dele. Uma dor no peito que a agonia, as lágrimas que deixaram de correr há tanto tempo. Ainda fechada naquele quarto. Quando, em Maio, o pai descobriu que Helena andava de namoro com um jovem alferes, arrastou-a pelos cabelos desde o café onde se encontravam e fechou-a no quarto interior. Os olhos do irmão mais novo tentaram, sem forças, salvá-la, devolvê-la àquele estado de pureza em que ele a conhecia. Mas não houve súplicas que a libertassem: nem os apelos da mãe, nem os olhares reprovadores do padre, que não sabia, porque estes assuntos são resolvidos dentro de casa. Ficou, esperou e lutou com a única força que tinha, deixar-se morrer, sem que pudesse ver a luz do dia ou sentir a aragem com cheiro a mar que aquecia as noites.
Foi numa dessas noites de Dezembro, em que o frio e o mar se unem num só calor, que Helena o viu e foi beijada por ele. Um único e primeiro beijo, um único beijo que selou a sua vida para sempre. Escondida de todos, e enquanto o irmão mais novo brincava, deixava-se amar pelo alferes loiro. Um amor como o daquele filme que tinha visto, às escondidas, porque não podia deixar as aulas de piano, nem as orações. Um sorriso desencontrado, uma carta breve, uma azeda na janela.
Aquele jovem loiro que a deixou abandonada, aquele pai que a ouvia tossir e a ignorava, aquela mãe que a abraçava com o olhar e o irmão mais novo. Saiu por fim, libertada daquele quarto, numa manhã de Dezembro. Numa manhã igual a uma outra manhã. Procurou com os olhos mortos, os olhos que a devolvessem à vida e só encontrou os olhos do irmão mais novo, ácidos, enraivecidos contra um pai que lhe tirou a irmã com quem aprendera a amar.

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