terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Puzzle

Um piano a quatro mãos.
Peça a peça,
nota que encaixa,
nota que não encaixa,
vira a nota,
torce a peça,
duas notas soltas,
uma peça que teima em não encaixar.
As mãos cruzam-se,
trocam-se,
tocam-se.
E continuam num piano a quatro mãos.
Peças certas,
peças erradas,
juntam cores,
afastam diferentes,
dividem,
separam,
e neste corrupio as mão sobem,
descem,
cruzam-se
e aquecem-se.
E as quatro mãos a criar o que já está criado
lutam,
mais rápido,
mais lento,
sem tempo,
porque o tempo que cada peça leva é o tempo de ver o que está por baixo.
Olham a pauta perfeita,
com cada peça na sua nota
e cada nota encaixada antes de ser desfeita.
E num piano a quatro mãos
cresce a euforia no que criam,
cresce uma alegria nas últimas quatro peças.
Uma nota solta,
vira,
revira,
encaixa
e vibra.
E num acto de amor a última peça passa de mão em mão para que juntas as mãos construam um puzzle que não serve para nada senão para que a quatro mãos num piano de peças apareça a imagem que vinha na caixa de cartão.

Fuel for Life

Pela última vez abraçaram-se na entrada de um prédio, sem saber que aquele seria o último beijo que davam. E foi como se o corpo se tornasse por momentos num só. Naquele momento último, o beijo marcou a necessidade de outros iguais que não foram mais.
De um modo estranho tinha perdido a inocência que tinha. De um modo estranho o mundo começou a girar ao contrário e não voltou mais à órbita com que a Terra gira. Ninguém reparou. Porque na entrada do prédio aquele beijo perdeu-se nesse mesmo tempo... E os olhares que trocam são uma esperança oca de algo vazio que encheu essa vida. De um modo muito estranho aconteceu algo maior que as palavras, maior que a física, a química ou a poesia. De um modo estranho o que alimentava deixou de ter pão, e o que bebia deixou de ter água. Ninguém viu. E na lembrança um outro beijo em que olhavam a cidade, abraçados, e em que contavam a sua história como se já tivesse acabado. Com viagens que não fizeram, músicas que não chegaram a ouvir juntos e o outro lado da cama vazio... Ninguém reparou.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

ACQUA di Gio

Senta-se num sofá e deixa que o tempo viaje para um Tempo, longe. De tão LoNgE esse TeMpO parece-lhe oNtEm. Pingue, pingue! Há um beijo que ainda lhe percorre os lábios, que aquece, e um corpo que aperta o seu. Pingue! O Tempo de ontem volta cheio de força e vivo prende cada poro nesse passado de ontem. Pingue, pingue! Os olhares que se cruzam, o medo de se aproximarem, o cheiro de chá ao longe e no meio de tantos encontram-se. Pingue! O sabor de um beijo desejado que se perdeu no tempo-ontem. Sentir um pulsar que dá vida a uma outra vida feita de tempo. Pingue, pingue! Os meses pAsSaM e no mesmo sofá em que meses aNtEs viu o tempo passar-lHe, vê-se agora cheio de tempo-ontem vazio. Pingue! Uma foto que guarda um sorriso ainda em tempo de ser alegria. Um cheiro que salva do tempo-ontem hoje. Pingue, pingue! A casa que construíram em sonhos no tempo de ser tEmPo, destrói-se com a r a p i d e z com que não se c o ns tr ui u. Pingue! E as viagens ficam nesse tempo feitas de neve e de chuva. Pingue, pingue! E por única companhia a torneira, lá longe no seu tempo, que mal fechada não deixa esquecer o tempo-hoje com as lágrimas que lá correm, p i n g a . . .