quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Beyond Paradise

As mãos passam por cada estante que encontra, procurando um corpo que cada dia se afasta mais. Num intervalo de si, sentia-o ainda numa doçura que a cativara, numa ternura que a embevecera. E agora a solidão apoderava-se de cada inspiração sôfrega. Lamentava não poder senti-lo de novo perdido em si. Uns olhos ternos que se escondem por trás da cor que fazem brilhar. Um desconhecido que despertara nela vida e medos escondidos. Resgatada por momentos e novamente presa nas suas grades de ansiedade. O herói que a defendera e a seduzira, parte agora para o mar, na construção de uma aventura em que ela não se inclui. E, largada no silêncio que a sua casa lhe dera, sente-se completa na paz que o som ofusca. A felicidade está no silêncio que a cerca e no sonho da carta que não chegará. Ainda assim, percorre a casa sedenta de paixão, acariciando o corpo distante do marinheiro que não a quis prender.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

UOMO



Sentado à janela, olhando o fundo da rua, ele espera que seja diferente. O chá fumegante é o repouso do olhar que sorri e uma música ao fundo ocupa-lhe ainda o pensamento. A camisola perfeita, a casa arrumada e alguma curiosidade no tempo que passa. Uma companhia que busca mas não é a certa. Um olhar de criança que quer ser descoberto, nutrido de um imaginário que já não existe, que se esconde atrás de uma árvore, que acarinha com o sorriso, e brinca consigo no que esconde de si a quem chegar. No luscofusco do dia, a campainha toca, falam, entregam-se, em partes, em momentos, dois corpos que não se conhecem que chocam e que se desejam. Que se querem encontrar a medo, que querem dar e receber prazer, partilhar-se. Um beijo desencontrado, quase prefeito, outro perfeito mas falhado, e depois... Dois corpos perfumados que se impregnaram do cheiro alheio e que persiste mais além, horas depois, numa cama solitária. Tudo porque o futuro ficou na campainha que tocou.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Egoiste



Para a Paulinne

Lá fora a colina, o rio e os telhados. Cá dentro ela deixa-se ir sem destino nos carris que a prendem sentada num eléctrico vazio. Na próxima paragem um rapaz entra e senta-se à sua frente. O ar pesa por entre aqueles olhares que se cruzam. Um sorriso que se espelha nas sobrancelhas. O rapaz perdeu o emprego, não come desde manhã e esquece-se de si, ali. Ela quer que ele olhe de novo, doce, como se a pudesse amar. Ela olha-o e ele vê-a reflectida no vidro. Cada sarda brilha com os movimentos do eléctrico. Ela tira o chapéu, corada, no calor do eléctrico que se encheu. Ele pisca o olho e lá fora alguém responde - doce princesa de azul – e as sardas agora são uma lágrima que cresceu dentro, ainda antes da paragem em que ele entrou. Porque ela não o esperava e nem ele sabia que ela existia. E agora que ele a conhece, ela sabe que ainda está sozinha presa nos sentados carris do eléctrico que regressa.